sexta-feira, 1 de outubro de 2010

* Herança *

penso que primeiro
meus pés vieram ao mundo
depois o corpo rompeu
o velcro profundo
que me mantinha aconchegada
ás entranhas maternas
desapegada
de quaisquer coisas dessa Terra

talvez por isso eu goste tanto
de pisar o chão ou de sair dele
em passos leves como os da bailarina
num caminhar desafrouxado
beirando o mar que me fascina

toco pedregulhos e algas
com as pontas dos dedos
na carícia da areia úmida
recolho conchas com seus segredos

depois que eu nasci
com o tempo percebi
que a tez pregueada e os vincos profundos
foram herança materna
o sorriso encurralado ao canto dos olhos fundos
foi legado paterno

meus pés amam o chão
também repousam neles
asas lubrificadas
com o óleo fresco da imaginação
com a indescritível essência da emoção

Úrsula Avner

* imagem do google- sem informação de autoria
* poema escrito em Agosto de 2008

14 comentários:

  1. [o chão, a eterna placenta do mundo, que resiste ao abalo de todos os nossos traços... nem sempre ao peso dos passos que nela se abrigam]

    um texto de absoluta e soberba inspiração, que se guarda e resguarda com prazer dentro do tambor do peito

    Um imenso abraço, Úrsula

    Leonardo B.

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  2. Úrsula, sou pisciana, e peixes é o signo que rege os pés. Emocionou-me teu poema, pois sei o que é ter pés que amam o chão enquanto têm asas. Linda poesia.

    bjs.

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  3. voaste como Cecília nesta imersão lírica,

    beijo

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  4. ola querida!
    ja estava sentindo falta de voce da uma passadinha no meu blog.
    Sempre muito carinhosa
    bjim e bom final de semana

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  5. Que bela inspiração, Úrsula!

    O chão e os pés, como contato primeiro na busca do mundo.

    Fantástico!

    Beijos

    Mirze

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  6. Belo esse poema de 2008 com extensões que poderiam ser de qualquer época... Alguém poderia sentir isso por dentro em 1930, 1950, 1970, 1990, ou hoje, ou ontem, ou amanhã. Só que poucos conseguiriam fazer isso da forma como você fez. Eu mesmo já senti isso, mas nunca me ocorreu dizer dessa forma. Por que os poemas são ímpares, são particulares e nossos em sua essencialidade.
    E é tua essa coisa de pensar primeiro que os
    pés vieram ao mundo e depois o corpo rompeu
    o velcro profundo que te mantinha aconchegada
    às entranhas maternas, desapegada de quaisquer coisas dessa terra. E talvez por isso, essa imagem linda, de pisar o chão ou de sair dele em passos leves como os da bailarina em caminhar desafrouxado...

    E todo mundo teus seus pedregulhos e algas...
    Todos tem coisas que só podem ser tocadas com as pontas dos dedos; quando o que se queria era agarrar firme e não deixar escapar.

    E quantas coisas nossas são de nossos pais...
    quantos dos nossos ais
    eles sentiram junto.

    E quanto das dores deles nem percebemos!

    E como é bom ter asas lubrificadas com o óleo fresco da imaginação, com a indescritível essência da emoção...

    Acho que tenho aqui algumas gotas desse óleo.

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  7. Olá amiga Ursula

    Belo poema, faz repensar a vida, colocar os pés nos chão, pensar no que somos, nas nossas raizes, olhar o passado anteveno o futuro, e nos traços do pai e da mãe, saber como seremos.

    Parabens adorei
    Beijinho

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  8. Tão bonito reconhecer em nós cada pedacinho de quem nos fez. Meu olho direito é do meu pai, o esquerdo de minha mãe. Esta é a minha maior peculiaridade física, e devo à mistura deles.

    Poema lindo, cheio de bagagem!

    Beijo.

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  9. Úrsula, minha querida,

    Que genealidade!

    Bjs e bom domingo

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  10. Úrsula querida

    Esse é o nosso fio terra, que literalmente une Pais e Filhos e que vai muito mais além unindo Criador e Criatura!

    Belíssima poesia, herança que o tempo não conseguirá jamais envelhecer.


    Bj terno

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  11. Os pés: uma evolução. É a base. Mas as mãos escrevem coisas maravilhosas, assim como os seus versos. Os pés das bailarinas se transformam em mãos quando se levitam.
    Obrigado pela sua visita e comentário sobre o meu soneto.
    Fique bem!
    Um grande Abraço!

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  12. Querida Úrsula,

    ... deve ser por isso que nos sentimos tão bem quando andamos descalços!

    Linda poesia, beijos, beijos...

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  13. Agradeço o carinho de cada comentário feito ! Um abraço afetuoso a todos os amigos e amigas que aqui deixaram uma marca de sua presença.

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